As polêmicas envolvendo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241, que institui o Novo Regime Fiscal, chegaram ao Senado
Federal. Apesar de ainda não ter sido enviada à Casa – a PEC será votada
em segundo turno na Câmara no próximo dia 24 –, a medida já incendeia os
debates entre os senadores.
Em audiência pública realizada nesta terça-feira (11), a
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) pautou o tema e ouviu especialistas
que se manifestam contrariamente à proposta. Os representantes do
governo que haviam sido convidados para defender a PEC não
compareceram ao debate.
Alvo de uma intensa queda de braço envolvendo os
aliados do Planalto e referências da oposição, a medida
também encontra forte resistência por parte de movimentos populares e de
especialistas. Eles projetam grandes reduções nos investimentos em
saúde e educação nos próximos 20 anos, prazo de vigência da PEC.
Durante a audiência, a professora Laura Carvalho, do
Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP),
ressaltou que a PEC traz o risco de agravamento da situação
do país. “Há uma perspectiva de prolongamento da crise
econômica. Os investimentos estarão mais uma vez paralisados, num momento
em que a economia mundial ainda patina. E não há nada lá fora que vá
resolver os nossos problemas, sem contar que, aqui dentro, temos uma massa
de desempregados que não pode consumir. Não há nada que justifique a
perspectiva que o governo vem colocando”, pontuou.
A economista destacou que, ao estipular um ajuste
fiscal para as próximas duas décadas, a PEC 241 compromete
também o poder de decisão que o Congresso Nacional e o
Ministério do Planejamento devem ter ao longo do tempo sobre a política
econômica do país. “Pra que servirão esses atores, se já estão fixando
previamente um teto para o orçamento público durante tantos anos?”, questionou.
Jessé Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e professor do Departamento de Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), corroborou a
crítica. “Não consigo entender a inteligência da classe
política nisso, porque ela está abdicando da sua capacidade de
decisão futura, já que, com o orçamento todo montado, já fica definido para o
bolso de quem vai”,afirmou.
O prazo de vigência da medida tem sido um dos
pontos que mais movimentam a polêmica. Opositores se queixam
que, caso a PEC seja aprovada, o governo
atual exerceria uma ingerência indevida nas próximas quatro
gestões do Executivo federal, que ficarão amarradas pelos
dispositivos da proposta.
Desigualdade
As reduções nos gastos sociais também sacodem a arena
de debate. Para os especialistas que participaram da audiência, ao
sinalizar uma possível precarização dos serviços públicos de saúde e de educação,
a medida tende a agravar o quadro de desigualdade social, tendo em
vista que atingirá especialmente a população de baixa renda, usuária desses
serviços.
“É uma proposta que busca de todas as formas reverter o
nosso processo redistributivo, que já não era muito ambicioso, mas que ocorreu
nos últimos anos, ou pelo menos a partir dos anos 2000. Continuaremos
tendo exatamente esse mesmo conflito, em que não são os mais vulneráveis que
ganham”, salientou a professora Laura Carvalho, destacando ainda que a PEC
libera os gastos com os juros da dívida ao mesmo tempo em que promove
arrocho nos gastos sociais. “Vão cortar justamente de quem mais precisa”,
completou.
Na visão dela, o país precisa elaborar uma agenda de
crescimento econômico. “Os investimentos públicos, por exemplo, precisam ser
retomados, e as concessões públicas não são o caminho para o crescimento”,
afirmou, mencionando o recente pacote de concessões e privatizações anunciado
pelo Planalto. Como saída, Carvalho sugere uma reforma tributária
progressiva e com uma distribuição mais justa.
Souza destacou a concentração da carga fiscal na
população de baixa renda. “Quem arca com 53% dessa carga do Estado brasileiro
são as pessoas que ganham até três salários mínimos. (…) E a crise fiscal
nasce porque existe uma compra de determinados interesses por parte
do parlamento. Ligada a isso, a PEC traz uma rearticulação da forma como a
política passa a ser conduzida, e os jornais e as empresas passam a decidir as
grandes questões políticas”, analisou o
pesquisador, acrescentando ainda a relação da mídia tradicional
com o grande capital. “Temos um contexto de fraude e mentira
fiscal. (…) É a captura do sistema político pelo mercado financeiro”,
criticou.
Senadores
Mesmo antes de tramitar no Senado, a PEC 241 já tem
destaque entre as polêmicas que agendam a atuação dos
parlamentares. Para a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), a medida teve
as discussões atropeladas pela Câmara Federal, que aprovou a PEC
nessa segunda-feira (10), por um placar de 366 a 111.
“Não houve debate com a sociedade, por isso foi uma atitude
de euforia da Câmara. (…) Essa proposta rompe o pacto estabelecido pela
Constituição Federal de 88. É uma PEC de natureza agressiva”, disse, em
referência às projeções de redução dos gastos sociais.
Para o senador Cristovam Buarque (PPS-DF),
que vem acenando positivamente à proposta, o debate no parlamento
estaria marcado por questões mais ideológicas do que técnico-financeiras.
“Nós precisamos sair do debate ideologizado e analisar a realidade, e a
realidade é que vivemos um desajuste fiscal profundo. Creio que qualquer
analista percebe que isso vai crescer como uma bola de neve e estourar em algum
momento”, afirmou.
Além dele, o senador José Medeiros
(PSD-MT) também se manifestou a favor da PEC. “Não podemos
gastar o que não temos”, disse, protagonizando em seguida uma discussão
com um manifestante que acompanhava a audiência e demonstrava
oposição ao governo.
O líder da minoria na Casa, Lindbergh Farias
(PT-RJ), criticou a proposta e disse que espera um debate apurado no
Senado sobre o tema. “Não tenho ilusão de que a Câmara vá mudar esse jogo no
segundo turno de votação da PEC, mas espero que o Senado faça um bom debate e
chame a sociedade civil para discutir também. O nosso desafio é falar pra
sociedade, para que ela se mobilize, porque quem sabe a gente pode ter outro
resultado aqui. Nossa dificuldade maior é combater os argumentos falaciosos.
Respeito as posições diferentes, mas precisamos fazer um debate leal.
Precisamos explicar pro conjunto da sociedade que essa PEC é a ‘PEC da
destruição do Estado’”, disse Farias.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que presidiu a
audiência, corroborou o posicionamento do colega de bancada. “Não queremos
fazer um debate açodado, como houve na Câmara. Precisamos de discussões”,
disse.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou
nesta terça (11) que espera garantir a votação da PEC 241 até o último dia
do ano fiscal. Ele chegou a dizer que, se necessário, o recesso parlamentar
será suspenso para garantir a apreciação e a votação da matéria ainda em 2016.
Presença popular
A audiência contou também com a participação de dezenas
de representantes ligados a entidades de servidores públicos que se
manifestam contrariamente à proposta. “Essa PEC só penaliza a parte da
sociedade que já é marginalizada; ela onera os pobres e, em
contrapartida, não diminui os privilégios dos ricos. Os
bancos, por exemplo, vão continuar com lucros exorbitantes”, criticou o
professor Francisco Santiago, de uma das entidades que compõem o Sindicato
Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes).
Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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