Carta de repúdio ao assassinato de José Raimundo Mota de Souza Júnior – MPA líder quilombola da comunidade de Jiboia – Município de Antônio Gonçalves – BA e dos membros da comunidade quilombola de Iúna – Lençóis -  BA.
A formação social e do território brasileiro é historicamente marcada pelo grande latifúndio e pela monocultura. A   relação Capital x Terra x Trabalho é marcada por um comportamento socioeconômico de grande conflito. A gênese da estrutura fundiária e sua continuidade até o presente é garantida pelas diversas formas de violências, que vão desde da grilagem, violências psicológicas à eliminação física através de assassinato coletivos e individuais de lideranças do campo. Souza Neto (2000) assinala em artigo denominado “a Ciência Geográfica e a Construção do Brasil” que a violência é uma das principais formas mediações de nossa formação social. Moraes (2005) assere que uma das características inerentes do Brasil é que ele sempre foi pensado como espaço físico a ser conquistado e não uma nação como um povo   a ser respeitado com direitos e participação. Essa característica legitima uma visão de que temos uma natureza infinita a ser explorada e conquistada (padrão dilapidador da natureza, expressos na plantation e hoje no agronegócio) e um povo a ser civilizado. Para tanto as mais variadas formas de violência foram utilizadas. Junto a esta característica temos a visão de uma sociedade patrimonialista em que a propriedade e o patrimônio são mais importantes que a vida de milhares de pessoas que estão condenadas à barbárie social. Juntando a isso, temos um Estado de visão geopolítica que varia de formas autocráticas e bonapartistas (ditaduras militares), ou seja, um Estado e uma Sociedade de formação autoritária e antidemocrática. Essas características são inerentes a nossa formação social e contribui para entender a situação antidemocrática na que estamos inseridos na atualidade, e sobretudo, do aumento da violência no campo – a partir de 2016 – na conjuntura de crise de política institucional; regresso nas conquistas sociais e da negação da ordem democrática. Dados da Comissão Pastoral da Terra – CPT (2016) em seu “Caderno de Conflitos no Campo” mostram que no ano 2017 aconteceram 28 assassinatos e 1.538 conflitos no campo. No ano de 2016 foram registrados 1.536 conflitos no campo, com 61 assassinato, aumento considerável. É valido assinalar que estes são os dados denunciados e que eles conseguiram registrar. Mas a realidade é muito pior, os números são bem maiores, vários sãos os casos de sumiços de lideranças, de conflitos não mapeados, etc., mas, conforme a própria CPT, o ano de 2017 promete ser mais violento que o ano de 2016. Para termos uma ideia, até o mês de agosto já foram 51 assassinatos no campo, dentre as quais uma chacina matando 10 camponeses no Pará (nove homens e uma mulher), além de indígenas que tiveram mãos cortadas no Maranhão. No que concerne o Estado da Bahia, em particular neste mês de julho e início do mês de agosto de 2017 esses números aumentaram a trágica situação dos trabalhadores do campo. No dia 13 e 16 de julho recebemos a perplexidade a notícia de execução brutal de dois sujeitos políticos que ajudavam na luta coletiva. O primeiro na comunidade quilombola de Jiboia em Antônio Gonçalves ceifou a vida do líder camponês do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA José Raimundo Mota de Souza Júnior. O segundo foi o caso do senhor Lindomar Fernandes Martins, membro da comunidade de Iúna, municípios de Lençóis, na Chapada Diamantina. Os dois casos ainda sendo investigados pela polícia. Passados menos de um mês, temos a triste notícia do assassinato de mais seis integrantes da comunidade quilombola de Iúna ocorrido na madruga de 7 de agosto (que embora possa não ter relação direta com a questão da terra – existem várias especulações, demonstra um processo de violências dentro dos territórios quilombolas e a necessidade de políticas públicas para com esses, visto a dívida histórica que temos com os povos negros do Brasil). As vítimas são Adeilton Brito de Souza, Gildásio Bispo das Neves, Amauri Pereira Silva, Valdir Pereira Silva, Marcos Pereira Souza, Cosme Rosário da Conceição. Em menos de 30 dias 8 assassinatos brutais no Estado da Bahia que se tiverem relações com os conflitos de terra por posse de terra aumentam a estatísticas brasileira de 57 assassinatos até o momento. Caso os 6 assassinatos últimos não tenham relação direta com conflitos por terra temos 51 assassinatos no território brasileiro sob essa temática.
Teriam esses assassinatos ligação com as lutas por demarcações de terra e os conflitos no campo? A suspensão da demarcação das terras quilombolas, o sucateamento do Incra, a proposta de nulidade de demarcação de terra quilombolas, a impunidade e a lentidão nas investigações e a ausência do Estado teriam contribuições para o aumento da violência no campo? Como o Estados em suas diferentes escalas (municipal, estadual e federal) se posiciona?  Quais os procedimentos vão tomar?
Diante do aumento dos assassinatos no campo, das percas das conquistas sociais, não podemos deixar de registar nosso repúdio ao conjunto dos atos de violências que impossibilitam a continuidade da reprodução da vida de muitos sujeitos que se levantam para tentar construir um mundo menos desigual.
É preciso fazer valer o direito pela luta, pela resistência, pela possibilidade de sonhar com um mundo melhor.
Neste sentido e se somando com a carta dos Movimentos, Pastorais Sociais e Entidades Populares da Bahia, o colegiado de Geografia da Universidade Federal do Vale de São Francisco – UNIVASF exige rigorosa investigação e responsabilização pelos crimes no Estado da Bahia, assim como a titulação das terras dos Quilombos em que estão em disputas com os latifundiários.
Pelo Colegiado de Geografia da UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DE SÃO FRANCISCO – UNIVASF