MANIFESTO SOBRE O AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO, NAS FLORESTAS E NAS ÁGUAS
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) reúne centenas de organizações, movimentos sociais e entidades que pautam e defendem a agroecologia, o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, a construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural e a soberania e segurança alimentar dos povos brasileiros, todos estes, entendidos como direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais que de
vem ser assegurados pelo Estado. Ocorre que no último ano o corte e retrocessos em tais direitos, marcos normativos e políticas públicas nacionais acirraram os conflitos e o contexto de violência no campo, criminalizando e matando defensores de direitos humanos, especialmente agricultores/as, camponeses/as, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.
É evidente a priorização ao modelo agroexportador com extrema concentração de terras e propriedades que, historicamente, foram estabelecidas com base em práticas ilícitas, conflitos fundiários e grilagem. O que implicou ciclo perene, estrutural e severo de violência, assassinatos aos povos do campo, das águas e das florestas e impunidade aos grandes proprietários de terras e empresas violadoras de direitos humanos.
No ultimo ano, tal contexto se acirrou brutalmente. Houve elevação expressiva do número de mortes no campo. No ano de 2017 já se contabiliza 48 mortes, sendo mais que o dobro dos assassinatos do ano passado para o mesmo período. Em 2016, foi diagnosticado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) o dobro de casos de assassinatos de trabalhadores rurais, em relação
à média dos últimos 10 anos – de 2005 a 2015. Também registrou-se o maior número de conflitos no campo dos últimos 32 anos, com 1.079 conflitos, uma média de quase três registros por dia no país.
Neste ano, vimos a crueldade do assassinato de nove trabalhadores rurais em Colniza, no Mato Grosso; o ataque que decepou e feriu indígenas Gamela, no Maranhão; a chacina de Pau D’Arco, que assassinou dez trabalhadores sem-terra, no Pará, orquestrada pela polícia militar; em julho, em menos de uma semana, duas lideranças quilombolas foram assassinadas cruelmente na Bahia; somente Rondônia apresenta 13 mortes em conflitos rurais e a Amazônia Legal caracteriza-se como o palco mais emblemático de chacinas e torturas do país.
Houve, ademais, crescente criminalização das lideranças dos movimentos sociais, cuja instauração da CPI do INCRA/FUNAI é o exemplo máximo da tentativa de amedrontar e frear os defensores que lutam pela distribuição de terras no país. Além do desmonte da FUNAI, com o corte drástico de orçamento extinguindo cargos, principalmente das áreas e demarcação. Assim como parecer da Advocacia-Geral da União que aceita a “tese do marco temporal” para a demarcação das terras indígenas sem levar em consideração todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes da constituição de 1988.
O Estado Brasileiro acentua os conflitos e as ações violentas de forma direta e institucionalizada pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ao corroborar com a concentração e grilagem de terras, a exemplo da Lei 13.465/2017, que trata de regularização fundiária rural e urbana indicando aumento da grilagem e da especulação imobiliária e do Projeto de Lei de nº 4.059/2012, o qual visa à venda de terras brasileiras a estrangeiros e teve tramitação acelerada neste período.
Contribui para o agravamento da violência a falta de orçamento para a titulação de territórios quilombolas, para o reconhecimento do território de
povos e comunidades tradicionais e para a desapropriação de terras para reforma agrária, uma vez que o governo destinou, em 2017, quase 64% menos recursos que em 2016. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239/2004 ajuizada pelo DEM, no STF, que questiona o Decreto 4.887/2003 que regulamenta a titulação das terras de quilombos também se insere no contexto de barrar o avanço nos direitos humanos às comunidades quilombolas no Brasil.
Ainda, o Estado se apresenta cada vez mais omisso, inerte ou moroso na apuração, investigação e responsabilização dos patrocinadores e executores das violências perpetradas nos conflitos agrários. Tudo isso fere frontalmente os princípios e diretrizes da Política e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica que preza por ampliação da reforma agrária, democratização do acesso à terra e garantia de direitos aos trabalhadores do campo.
Diante deste cenário cruel para os que lutam pelo direito à terra, ao território e à agrosociobiodiversidade brasileira, as entidades que compõem a ANA exigem a postura ativa do Estado na responsabilização das violações perpetrados e na garantia de medidas efetivas de proteção aos defensores/as de direitos humanos, bem como a adoção de medidas estruturais de democratização da terra e da justiça no Brasil.
Brasília, 03 de agosto de 2017
“Se calarmos, as pedras gritarão”

Pedro Tierra