Participei entre os dias 5 e 14 de dezembro de 2017, durante 10 dias, de uma Greve de Fome em Brasília, dentro da Câmara dos Deputados, deflagrada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, contra a desdita Reforma Previdenciária proposta pelo governo Michel Temer. Iniciamos em três pessoas. Fiz companhia às camponesas Josineide, do Piauí e Leila Denise, de Rondônia. No dia 11 de dezembro aderiram mais três camponesas, Rosa, do Rio Grande do Sul, Simoneide, do Piauí e Rosângela, de Roraima, esta, dirigente nacional do Movimento de Mulheres Camponesas – MMC.
Descrevo aqui algumas impressões e algumas conclusões de cunho pessoal sobre este acontecimento.

Durante os dez dias dentro da Câmara dos Deputados, irrompeu como força comovedora e mobilizadora a bravura, a coragem e a serenidade das cinco camponesas, com destaque às duas que completaram 10 dias sem ingerir alimentos sólidos.
Também impressionou o testemunho silencioso e ao mesmo tempo eloquente: as que produzem o alimento que vai à mesa de tantos privando-se dele para chamar a atenção dos que se locupletam pessoalmente vendendo direitos dos pobres e as riquezas da Nação.
A força moral de uma Greve de Fome se afirma e se justifica – para quem a faz e para a sociedade – pela justeza de sua causa. É um ato extremo para situações extremas, quando outros métodos de persuasão já não fazem o efeito desejado para sanar uma injustiça flagrante de amplas consequências. Por isto afirmávamos: “ decidimos passar fome por alguns dias para evitar que milhões passem fome uma vida inteira”.
Representávamos, portanto, os que produzem os alimentos e as riquezas do país, através de seu suado esforço e trabalho e correm o risco de passar fome, na fase mais difícil da vida, na fase em que as forças lhe faltam para ganhar o pão com as próprias mãos, na velhice. Nós nos alimentávamos disciplinadamente de água e soro e as massas camponesas, operárias, pessoas sensíveis de todos os matizes, de todas as categorias dos que vivem do trabalho, nos alimentavam com solidariedade e força espiritual.
A Greve de Fome foi aos poucos se transformando num símbolo contra os que vivem da renda do dinheiro e enchem a pança e refestelam-se em lautos banquetes regados a vinhos finos e caros de reservas antigas. Foi o poder do povo contra o poder do dinheiro.
Um momento de grande densidade espiritual foi a presença amiga, solidária, humilde e firme de Dom Sérgio Rocha, Cardeal de Brasília e Presidente da CNBB. Fortaleceu-nos e estimulou. Foi uma presença de Fé e humanidade e de fé na humanidade.
Permitam-me compartilhar que para mim, pessoalmente, uma Greve de Fome é também um jejum espiritual. E neste tive muito presente uma passagem do Evangelho de Lucas onde Jesus faz conta a história do Bom Samaritano. Diz Jesus no relato de Lucas, que um homem foi assaltado, espoliado, ferido e deixado gemendo à beira do caminho. Passou por ali um Sacerdote, viu e foi adiante. Os sacerdotes eram considerados o grupo social mais importante na sociedade judaica da época. Por ali passou também um Levita, pessoa de alta consideração social. Viu e passou adiante. Por fim passou um Samaritano, um desclassificado para os judeus daquele tempo, viu, sentiu compaixão, achegou-se, cuidou dos ferimentos, levantou-o e ajudou-o a chegar até o povoado mais próximo para que pudesse se recuperar.
Confesso que já me senti tantas vezes como aquele sacerdote ou como o levita da história. Algumas vezes tentei ser como o samaritano. Mas nunca antes havia me colocado no lugar do espoliado e excluído deixado caído à beira da estrada.
Pois foi assim que me senti inúmeras vezes nos corredores da Câmara dos Deputados.
Milhares de samaritanos de perto e de longe nos estenderam a mão solidária.
Mas muitos passavam, viam e seguiam adiante, quase sempre virando o rosto na direção contrária de onde estávamos.
Pensava comigo que se fizessem isto somente ali, conosco, compreendê-los-ia. Afinal, representávamos também uma posição política, talvez contrária a deles. Mas me fica a forte impressão de que agem da mesma forma diante da dor e do sofrimento de milhões e milhões de brasileiros, pobres e desempregados, despojados e ameaçados em seus direitos. E o fazem da pior maneira: através de leis e políticas que os atingem, despojam e jogam na exclusão.
No relato de Lucas, porém, o sacerdote e o levita assim agiram como geste espontâneo, por pura insensibilidade humana. Na Câmara dos Deputados a insensibilidade é remunerada e muitos viram o rosto a soldo dos que lucrarão com a espoliação dos pobres.
Concluindo, gostaria de ressaltar que gestos simbólicos podem ser importantes. Mas a verdadeira esperança de mudanças profundas no Brasil só virão com a organização popular e com o povo tomando as ruas. A indignação nas redes sociais é importante, mas insuficiente. Trabalho de base e formação continuam insubstituíveis e nos darão musculatura para tomar as ruas de forma organizada e firme e apontar horizontes de esperança para o povo brasileiro.
Por Frei Sérgio Görgen – Frade Franciscano, militante do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.
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