No dia 22 de janeiro de 2018 entrou em vigor uma resolução normativa da CNTBio (Resolução Normativa 16/2018) que decide como considerar uma série de novas biotecnologias que usam engenharia genética, porém com formas diferentes dos transgênicos que já conhecemos (como milho e soja resistentes a agrotóxicos). Estas novas estratégias para manipular geneticamente plantas e animais podem ou não inserir novo material genético nas sementes ou em seus descendentes. Com a nova normativa, a CNTBio pode decidir que organismos produzidos com essas biotecnologias não são considerados transgênicos ou OGM (organismos geneticamente modificados) e, portanto, não necessitam cumprir com a regulamentação de biossegurança. Também estabelece um canal legal para permitir a liberação no ambiente dos chamados “condutores genéticos”, uma tecnologia de alto risco, que propõe extinguir espécies inteiras, inclusive silvestres.
A nova normativa é muito grave porque:
a)Abre a porta legal para que sementes, insetos e outros organismos, e produtos alterados geneticamente com novas biotecnologias não sejam considerados OGM (organismos geneticamente modificados) e, portanto, a CNTBio poderia decidir que podem ir para o campo e para os mercados sem avaliação de biossegurança, sem regulamentação e sem rotulagem.
b)Especialmente grave e alarmante é que uma dessas formas de novas biotecnologias são os chamados condutores genéticos ou sistemas de redirecionamento genético (gene drives, em inglês). São organismos manipulados geneticamente para enganar as leis naturais da hereditariedade, para conseguir que uma característica genética seja forçosamente herdada, e que poderiam ser usados para extinguir toda uma espécie, vegetal ou animal. O Brasil é o primeiro país do mundo que estabeleceu canais legais para a liberação desse tipo de alteração genética que é extremamente perigosa e que pode ser usada em cultivos, e para modificar geneticamente plantas e animais silvestres.
Quem se favorece com essa normativa:
As mais favorecidas são as empresas de agronegócios e as transnacionais de transgênicos, porque podem invadir campos e mercados com seus novos produtos manipulados geneticamente sem ter que passar pelos mecanismos de avaliação e regulamentação ou rotulagem, dessa maneira ganhando tempo e aumentando os lucros. Podem inclusive enganar os consumidores, dizendo que seus produtos são “naturais”, como fizeram nos Estados Unidos com suas substâncias derivadas de micróbios engenheirados com algumas dessas tecnologias.
Além disso, com a técnica de CRISPR e de condutores genéticos, empresas como a Monsanto e DuPont, que já têm a licença para essa tecnologia, esperam poder fazer com que as plantas invasoras (silvestres) tenham mais suscetibilidade a seus agrotóxicos. Já existem muitas invasoras que são resistentes ao glifosato, por exemplo. Com essa tecnologia, esperam poder seguir vendendo este veneno.
Também esperam poder manipular novas espécies de sementes e plantas para ampliar seus mercados transgênicos. Tudo isso às custas da biossegurança e da saúde do meio ambiente, das pessoas e dos animais.
Impactos potenciais das novas biotecnologias
Os transgênicos são organismos nos quais se inserem genes que não existiam naturalmente num determinado organismo vivo, sejam da mesma espécie ou de outra espécie. As chamadas novas biotecnologias, por exemplo: CRISPR, técnicas que usam RNA para ativar ou silenciar gens, “Mutagênese Sítio Dirigida” e outras, podem manipular o genoma inserindo novos genes ou não, mas sempre alterando as funções naturais do organismo.
A CNTBio dá a elas o nome de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), que englobam as chamadas Novas Tecnologias de Melhoramento. Não são aplicáveis somente a plantas, são técnicas para também modificar microorganismos, insetos e animais.
As empresas também chamam essas técnicas de “edição genômica”, para dar a impressão de que se trata apenas de uma pequena mudança em um texto, tentando afastar esses novos OGMs da ampla resistência que camponeses e consumidores de todo o mundo desenvolveram contra os transgênicos.
Com essas técnicas de manipulação de genomas pode-se, por exemplo, fazer plantas que sejam tolerantes a agrotóxicos (igual aos transgênicos anteriores, mas com outra técnica), ou que ervas invasoras que se tornaram resistentes voltem a ser afetadas por agrotóxicos (para seguir vendendo mais agrotóxicos), mudar os períodos de maturação ou floração (para facilitar a colheita industrial), ou que micróbios e plantas produzam substâncias que normalmente não produziam, e que são valiosas para as indústrias.
Afirmam que tais técnicas são mais precisas que os transgênicos anteriores. No entanto, ainda que as técnicas possam ser mais precisas quanto ao lugar onde modificam o genoma, continua existindo uma grande incerteza sobre como essas mudanças afetam o resto do genoma, o que pode levar a novos efeitos imprevistos e indesejáveis. Já se sabe que em muitos casos, várias dessas técnicas têm efeito fora do alvo (off-target) e isso leva a que as plantas e/ou produtos que se derivem dos organismos manipulados possam ter efeitos alergênicos e outros, que afetam o crescimento das plantas e também a saúde humana e animal.
Além disso, existem outros efeitos dos transgênicos que já conhecemos, tais como viabilizar o aumento de agrotóxicos, afetar as sementes crioulas e estarem patenteados por grandes empresas.
Impactos dos condutores genéticos (gene drives)
É a primeira vez que se fazem transgênicos para liberar em ambientes silvestres, visando modificar não apenas espécies cultivadas, mas para que se reproduzam agressivamente na natureza. É uma forma de engenharia genética que usa a tecnologia CRISPR-Cas9 para conseguir que as características genéticos inseridas em um organismo passem necessariamente para toda a próxima geração, e não somente os 50% correspondente a cada genitor, como seria normal. Se a manipulação é para que se produzam somente machos (tentam isso com plantas, mosquitos e ratos), toda a população – ou inclusive toda a espécie – poderia extinguir-se rapidamente. Uma certa quantidade de organismos modificados pode ser lançada em um campo ou ecossistema e gradualmente modificar todos os que se cruzem com os organismos modificados, até atingir toda a população.
Por isso, é considerada pelas Nações Unidas, também como uma arma biológica. O principal financiador para pesquisas sobre condutores genéticos é o Exército dos Estados Unidos, seguido pela Fundação Bill e Melinda Gates.
Os que promovem a tecnologia dizem que é para eliminar pragas, por exemplo o mosquito que transmite a malária, ou plantas invasoras. No entanto, quem define o que é daninho ou praga? Para a agricultura industrial e os agronegócios, tudo o que estiver vivo em um campo, afora o cultivo que eles querem vender, é daninho. Que consequências teria a eliminação de toda uma população de um ecossistema que co-evoluiu com ela, ou inclusive a favoreceu como reação a outros desequilíbrios? O que acontece com outros organismos que se alimentam dessa espécie? Quem tem o poder para decidir eliminar toda uma espécie? Ainda que a técnica possa ou não funcionar – é experimental – poderia causar grandes desequilíbrios. Por isso, 160 organizações de todo o mundo, incluindo a Via Campesina Internacional, reivindicaram que o Convênio sobre Diversidade Biológica aplique uma moratótia a essa tecnologia.¹
Nem mesmo os Estados Unidos permitiram a liberação de nenhum organismo desse tipo, porque uma vez que esteja no ambiente, não sabem como pará-lo. Com a resolução da CNTBio, o Brasil seria o primeiro país que permite liberar essa perigosa tecnologia. E com uma regulamentação simplificada!
O Brasil também é o único país no mundo que, graças à CNTBio, permitiu repetidos experimentos com mosquitos transgênicos. Embora tais experimentos não tenham nenhuma validação de que sirvam para combater doenças, isso o faz ser visto como um país onde se poderiam liberar mosquitos com condutores genéticos, devido à facilidade para conseguir a aprovação das autoridades.
Mas o principal interesse comercial nos condutores genéticos vem dos agronegócios, porque possibilitaria eliminar as espécies de plantas que fossem resistentes a seus agrotóxicos, ou fazer com que essas ervas voltem a ser suscetíveis aos agrotóxicos, e assim seguir aumentando seu uso. Já são várias as transnacionais de transgênicos que têm a licença da tecnologia CRISPR-Cas9.
As organizações camponesas, os movimentos sociais, as organizações da sociedade civil e de consumidores rejeitamos energicamente a normativa 16/2018 da CNTBio que pretende legalizar e liberar sem regulamentação, avaliação e rotulagem, novos transgênicos que terão um impacto sobre os/as camponeses, a soberania alimentar, a saúde e o meio ambiente. Denunciamos e rejeitamos que a CNTBio pretenda legalizar também a liberação de “condutores genéticos”: transgênicos que poderiam ser usados para extinguir espécies, e como armas biológicas, cujo principal financiador é o Exército dos Estados Unidos e que não são permitidos em nenhum outro país do mundo, devido à sua alta periculosidade.
Articulação Nacional dos Trabalhadores, Trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas (articulação do campo unitário)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimentos pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Movimento Camponês Popular – MCP
Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Movimento dos Trabalhadores do Campo – MTC
Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP
Associação Brasileira de Agroecologia – ABA agroecologia
Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos
Centro Ecológico – Assessoria e Formação em Agricultura Ecológica
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