Foi divulgado recentemente um Orçamento e Balanço de Despesas para a realização do 8º Fórum Mundial da Água no próprio website do evento (você pode acessar o documento através desse link). Apesar de não ser um relatório com o grau de detalhamento que um evento financiado com dinheiro público demandaria, esse é o primeiro documento oficial que começa a decifrar o mistério do quanto custará aos cofres públicos esse Fórum das Corporações, algo que já vinha sendo solicitado por organizações da sociedade civil, movimentos sociais e até setores da imprensa que, mesmo evocando a Lei de Acesso à Informação, até o momento não tinham acesso a uma prestação de contas mínima do evento ou algum indicativo da participação financeira do governo brasileiro e do Governo do Distrito Federal nesse evento.
O motivo do constrangimento em publicar os dados torna-se evidente quando analisamos já a primeira página do documento, onde mostra que apenas o Governo do Distrito Federal (através da ADASA) está pagando mais de 30 milhões de euros para a realização desse fórum (sendo que 93% desse valor já havia sido pago ao Conselho Mundial da Água, organizador do Fórum, até fevereiro). Desses 30 milhões de euros, dois itens chamam atenção: os cerca de dois milhões desse valor que foram retirados do fundo de previdência dos aposentados do GDF e os 5,5 milhões de euros que foram pagos ao Conselho Mundial da Água apenas para que o Distrito Federal adquirisse os “direitos de realização” do 8º Fórum em Brasília. E isso em um contexto de austeridade com a saúde sucateada, educação precária e uma grave crise de infraestrutura urbana no Distrito Federal entrando em colapso pela falta de manutenção periódica de construções de grande e médio porte.
A participação do Governo Federal também chama muita atenção. Em um contexto de programas sociais e políticas públicas importantes sendo abandonadas, o governo de Michel Temer através da ANA (Agência Nacional das Águas) resolveu investir 22 milhões de euros no Fórum das Corporações (sendo que até fevereiro havia sido pago pouco menos que a metade desse valor ao Conselho Mundial da Água). Esse valor, assim como o que foi investido pelo GDF, não passou por qualquer momento de consulta pública à população para verificar o real interesse público para um financiamento desse porte.
O relatório do 8º Fórum avança evidencia também que 25 milhões de euros está sendo pago pela ABDIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base), que é uma organização que tem como parte de seu quadro de associadas tanto empresas privadas do negócio da água e saneamento como também entidades públicas, impossibilitando assim que avaliemos se ainda há mais dinheiro público vindo dessa fonte. Ainda há outros 23 milhões de euros previstos em arrecadação com a Feira de Negócios (que outras empresas públicas também estão financiando, como a CAESB) e com inscrições individuais e de organizações, sendo que a metade desse montante já havia sido paga ainda no início de fevereiro.
Com base nesse relatório, o 8º Fórum Mundial da Água, que acontecerá dos dias 18 a 23 de março em Brasília custará, ao todo, 103 milhões de euros, sendo que mais da metade desse valor comprovadamente será pago com dinheiro público. Trata-se de um evento de grande porte, cujo interesse público nesse financiamento tão volumoso é questionado por movimentos sociais e organizações da sociedade civil, que alegam ser um espaço privilegiado para as grandes corporações, que colocam o lucro acima da vida, fazerem negócios com governos na tentativa de privatizar a água no mundo e transformá-la em uma mercadoria. Este cenário se torna ainda mais preocupante no Brasil, que é o país que possui as maiores reservas de água doce disponível em forma líquida no mundo e vive um contexto de governo Temer que busca privatizar setores estratégicos para o país como o setor elétrico e as empresas de água e saneamento nas cidades.
O Fórum Alternativo Mundial da Água
Após diversas edições tentando intervir nos rumos do Fórum Mundial da Água, movimentos sociais e organizações de defesa da água de todos os continentes viram a necessidade de organizar um fórum paralelo ao das corporações, reivindicando a água como um direito dos povos e da natureza. No Brasil, o FAMA (Fórum Alternativo Mundial da Água) pretende reunir milhares de pessoas dos dias 17 a 22 de março também em Brasília (a programação encontra-se nesse link) e já tem a confirmação da participação das principais representações do movimento indígena, quilombola, pescadores, comunidades tradicionais, organizações do campo, das periferias e movimentos socioambientais de todas as partes do mundo. Com a expectativa de público crescendo a cada dia, espera-se que esse seja o maior evento em defesa da água do planeta.
Por se tratar de um evento construído através dos povos, é sempre um desafio maior garantir a estrutura para sua realização. Estão sendo feitas vaquinhas virtuais, doações voluntárias no ato da inscrição e outras formas de autofinanciamento. Após uma negociação longa, o Governo do Distrito Federal concordou em ceder o espaço do Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade para os quatro últimos dias do Fórum e ajudar na viabilização de emendas parlamentares para a realização do evento, cujos trâmites estão em andamento nesse momento com a colaboração do governo e podem trazer ao FAMA até 800 mil reais do Governo do Distrito Federal para o evento (valor que representa apenas 0,6% do que o GDF ofereceu ao 8º Fórum Mundial da Água). Também existe um processo em andamento para trazer um aporte de mais 400 mil reais através de um convênio da ANA com a Universidade de Brasília (valor que representa menos de 0,5% do que a ANA destinou ao Fórum das Corporações). Esses aportes são fundamentais para que seja possível garantir o espaço físico do evento, alimentação e a vinda de povos atingidos de várias partes do mundo para o maior evento em defesa da água do planeta.
Neste momento estão sendo realizados os trâmites para a execução dos projetos com a colaboração do Governo do Distrito Federal e com a Agência Nacional das Águas através da UnB. É importante reconhecer o empenho do quadro técnico dessas instituições na viabilização e disponibilização desses recursos, no entanto, também é importante ressaltar a grande desigualdade no aporte financeiro entre o 8º Fórum Mundial da Água e o Fórum Alternativo Mundial da Água, sendo que o apoio a esse último não chegará a alcançar nem mesmo 1% do que foi destinado ao Fórum das Corporações, mesmo sendo fruto de uma construção social mais rica, mais representativa e, essa sim, de profundo interesse público para lidar com a grave crise da água que assola o mundo nesse momento e que tende a agravar consideravelmente nesse século.
Para acessar o relatório financeiro do 8º Fórum Mundial da Água, acesse: http://www.worldwaterforum8.org/en/file/2429/download?token=HJxV8vtG
Para ler o Manifesto do Fórum Alternativo Mundial da Água e o Chamamento aos Povos, acesse: http://fama2018.org/manifesto/
* Thiago Ávila é ambientalista e participa da organização de Assembleias Populares da Água.
0 comentários
Deixe aqui seu comentário: