Em entrevista, o camponês discute sobre as especificidades e necessidades desta prática no contexto brasileiro.
Nesta edição, o Brasil de Fato Bahia conversou com Leomárcio Araújo da Silva sobre um tema fundamental para a sociedade, quando pensamos em soberania, que é a agricultura familiar. O camponês e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) falou sobre o que caracteriza tal modo de produção, quais as especificidades na Bahia, bem como sobre o papel do governo na preservação e desenvolvimento desta prática. Confira na íntegra.
Características
O conceito de agricultura familiar segue sendo um conceito em disputa. Nós, enquanto movimento dos pequenos agricultores e a própria Via Campesina, estamos na perspectiva de defender a concepção de campesinato, que tem a característica da agricultura familiar, porém é para além disso. Na concepção da política da década de 1990, ela vem numa perspectiva de fazer a transição do campesinato para o agronegócio, sendo apelidada em alguns momentos como agronegocinho.
No Brasil, metade do campesinato está no Semiárido, na região Nordeste. Dentro desta região, mais da metade está na Bahia. Concretamente é um público que tem diversidade no modo de produzir, de organizar as suas comunidades, mas também no que produz, naquilo que oferece como alimento para o povo. No Brasil, hoje, esse público da agricultura familiar camponesa oferece mais de 70% da alimentação que chega à mesa da população.
Especificidades na Bahia
O campesinato na Bahia é bastante diverso. A gente tem desde as comunidades de fundo de pasto, quilombolas, pescadores e pescadoras e temos os povos indígenas que são os originários, inclusive que nos ensinaram a praticar a agricultura e a guardar e preservar as sementes crioulas. O que há de comum é a defesa pela terra, o acesso a esse meio de produção, as águas e o zelo pela natureza. A gente sabe que, colocando em contraste com o agronegócio, são projetos antagônicos. Quem garantirá a continuidade das vidas é a agricultura familiar e camponesa na sua diversidade.
Porque defender a agricultura familiar?
A agricultura familiar, como disse o próprio IBGE em dados do Senso de 2006, é responsável pela alimentação de mais de 70% do que chega as mesas do nosso povo. Precisamos defender a soberania alimentar, que é garantir uma alimentação saudável na mesa do povo de modo geral. O agronegócio também tem optado por nicho de mercado em produzir orgânicos. Isso é real. No entanto, a produção de alimentos maior vem da própria agricultura familiar camponesa. O agronegócio não é capaz de produzir a soberania alimentar e este não pode ser um tema restrito à população do campo. Quem está na cidade também quer se alimentar bem, de modo saudável e precisa evoluir também para um nível de consciência que é entender por que mãos esse alimento é produzido e a que custo para o ser humano, mas também para a natureza. A gente entende que defender a soberania alimentar é uma questão social.
Papel do governo:
Os movimentos sociais, a partir da própria Via Campesina, têm avançado, no último período, na elaboração da proposta de vida digna no campo que se pretende, através do projeto de Reforma Agrária popular, da Soberania Alimentar- defendida especialmente pelo MPA- e da Soberania Energética. Tudo isso tem culminado numa proposta de campesinato que se quer para se ter essa vida digna. No entanto, principalmente o governo Temer, conseguiu bloquear boa parte das ações que culminavam com essa perspectiva nossa a partir do campo. Aqui na Bahia, a gente tem uma situação especial que é o fato de ter um governo que está, de algum modo, a nosso lado. É um governo que tem conseguido atender em larga medida as reivindicações feitas por essas organizações e movimentos sociais que estão no campo. Óbvio que ainda que com alguns pequenos bloqueios no diálogo, porém tem conseguido atender as pautas dos movimento, como foi a construção da Secretaria de Desenvolvimento Rural, um avanço importante que obtivemos entre os governos Jaques Wagner (PT) e Rui Cosa (PT). Temos tido um apoio importante no sentido do fortalecimento das práticas produtivas das comunidades, no campo do beneficiamento da produção, da própria comercialização, a partir das redes que estão sendo construídas junto com as comunidades. Para o próximo período tem algumas lacunas que precisam ser superadas. Exemplo o processo de Reforma Agrária no Brasil e na Bahia. A gente tem tido uma estagnação. Também precisamos seguir avançando na elaboração de um projeto ou de princípios das políticas que tenham a agroecologia como base para isso.
Da Redação
Brasil de Fato | Salvador (BA), 9 de Outubro de 2018 às 15:03
Edição: Elen Carvalho
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