Via Campesina Brasil realiza primeira Escola Nacional das Mulheres em Seberi-RS 


Mãos grossas, mãos finas. Mãos fortes, mãos suaves. Mãos que tocam a terra. Mãos de mulheres. E como na música da cantora colombiana Marta Gómez “manos que tocan dejando el alma“. Mãos de mulheres que se juntam para socializar o papel da mulher camponesa. Foi com esta proposta que a Via Campesina Brasil organizou a primeira Escola Nacional das Mulheres. A atividade aconteceu em Seberi, no Rio Grande do Sul, entre os dias 4 e 6 de fevereiro, contando com a participação de camponesas integrantes dos movimentos sociais que compõem a Via, vindas de diversos estados brasileiros.

“A gente vem acumulando pra chegar nessa compreensão do que nós estamos chamando de feminismo camponês e popular”, introduziu a cearense Maria de Lourdes Vicente, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Convivemos com um número bastante elevado de casos de violência contra a mulher, principalmente na esfera intrafamiliar no campo, fora a violência institucional que vivenciamos de longa data e nos trás aqui o desafio, no conjunto das mulheres camponesas, de buscarmos ações politicas para superação desta violência”, justifica a gaúcha Salete Carollo, também do MST, sobre a necessidade do debate do feminismo camponês e popular no seio dos movimentos sociais campesinos.

“A Escola Nacional de Mulheres da Via Campesina Brasil foi pensada a partir da necessidade que temos em afinar nossa leitura da realidade, e cujo objetivo central é fortalecer a formação política e fazer uma leitura de conjuntura a partir de uma perspectiva feminista, das mulheres do campo, das águas e das florestas” explica a pernambucana Jozelita Tavares, da secretaria da Via Campesina Brasil. “A escola cumpriu com o que havíamos planejado e segue o desafio de dar sequência nos processos formativos também pra nos fortalecer na construção de uma sociedade mais justa para todas”, finaliza a representante da Via.

As contradições da mulher no campo


“Vivemos em um momento em que a violência contra as mulheres esta em um grau assustador, temos muitas mulheres mortas pelo feminicídio, só por serem mulheres, e sentimos que elas enfrentam outras violências, como é o caso dos agrotóxicos, da violência das grandes empresas que acabam fazendo com que as mulheres camponesas estejam em permanente estado de organização e mobilização”, complementa a catarinense Justina Cima, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), abordando sobre as contradições da participação da mulher no campo. A jovem Luana Rockenbach, também catarinense, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acredita que “o agronegócio, com os monocultivos e os agrotóxicos envenenando a terra, não é nada mais que a mente machista expressa na terra, e por isso a importância da mulher conquistar esse espaço com a agroecologia, que traz o jovem pro campo, traz alimento saudável, traz a biodiversidade das sementes crioulas, é preciso expressar o feminismo sobre a terra”.

O feminismo camponês e popular

“Quando a gente fala de feminismo camponês, nos estamos falando do direito a terra, do direito a nossa existência, do direito ao respeito à nossa diversidade como mulheres, de que não existe a mulher, existem as mulheres, as campesinas, as indígenas, as quilombolas, por isso a importância, de ser um movimento que aglutina, um movimento em que as mulheres se reconheçam”, define Maria de Lourdes, sobre a corrente do feminismo defendida pelos movimentos da Via. Ela ainda defende que o feminismo camponês e popular ajuda as mulheres a construírem um novo jeito de fazer política, principalmente no que tange a relação entre a luta local e a luta geral, que é a luta de classes e que resulta em um enfrentamento contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado.

A mulher e a defesa do território

Para a piauiense Marinei Santos, que é quilombola e integra o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “o feminismo camponês e popular nada mais é que a defesa dos direitos da mulher no campo, direito ao acesso a terra fértil, a água, a energia e o respeito a nossa dignidade” e ela continua, “o campo é o melhor lugar para se viver e é disputado pelo agronegócio, pela mineração e que querem nos expulsar, muitas vezes usando de instrumentos violentos, expulsar nós que vivemos naquele território, cabe as mulheres se organizar e se proteger para defender nosso território”. No mesmo sentido expressa opinião Atiliana Brunetto , militante do MST no Mato Grosso do Sul, abordando o ponto de vista dos povos originários: “Nós somos mulheres que prezamos pela vida, mas para que tenhamos vida nós precisamos da terra, e esse defender o nosso espaço é das que mulheres vão fazendo, se informando, estudando, pra que de fato a gente possa compreender os territórios, o que é necessário a nossa resistência, a nossa vida, enquanto povos, enquanto comunidades tradicionais na construção desta defesa aos nossos territórios”.

O 8 de março

As mulheres da Via Campesina reiteram a data de 8 de março como central na luta das trabalhadoras, sejam do campo ou da cidade. “Lutar se aprende lutando, o 8 de março tem se tornado neste momento em que a gente ao fazer a luta eleva a nossa consciência de classe, consciência de gênero, consciência ambiental, consciência para as novas relações sociais, então o 8 de março tem a sua importância porque primeiro ele demarca o objetivo ao qual ele foi criado”, aponta Maria de Lourdes sobre a importância da data para as mulheres da classe trabalhadora. A data foi definida como referência de luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras durante a 2ª Internacional Comunista em 1910, e teve seu real significado mascarado como um dia de todas as mulheres. “Nós estamos conseguindo na Via Campesina trazer a tona que o 8 de março é um dia de luta e é um dia de luta que nos forma, forma a nossa consciência, que puxa o debate na sociedade sobre temas relevantes, como a denuncia do impacto dos agrotóxicos na saúde, no trabalho e no ambiente”, finaliza.

Mateus Quevedo

Jornalista | MPA | BdF-RS