Há um dito comum entre os lutadores populares, “você é livre a partir do momento que começa a forjar sua consciência de classe”. A partir dessa leitura me considero um negro livre. Assim como afirmou Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”
Liberto, porém condenado a viver diariamente a dor e a luta coletiva de milhares de negros e negras por uma democracia racial substantiva, contra o extermínio desenfreado da juventude negra, igualdade de salários, liberdade religiosa, reconhecimento e respeito. Liberdade parece uma palavra vã a um povo que teve a liberdade condicionada à desestruturação familiar e a exclusão sociopolítica e socioeconômica.
Nosso calvário perdura, não quero aqui retornar aos anos da escravidão, do último país a abolir a escravatura, onde não tínhamos a condição de humanidade, quiçá a utopia de cidadania. É certo que aí forjaram-se as raízes da exclusão e do racismo institucional a que está submetido o povo negro brasileiro. Todavia, quero ater-me ao agora ao fato de que somos mais da metade do povo brasileiro e ocupamos a minoria dos bancos da academia, ao passo que quando ultrapassamos essa barreira e alcançamos o diploma acadêmico ao acessar o mercado de trabalho recebemos os menores salários. Ao fato de o Brasil ser o país com mais empregadas domésticas do mundo, cerca de 7 milhões, predominantemente negras com baixa escolaridade. Ao fato de que mais de 72% dos moradores das favelas brasileiras são negros. Ao fato de que conforme dados publicados pelo IBGE em sua última pesquisa que estratificou as estatísticas de cor ou raça, cerca de 70% dos que vivem em situação de extrema pobreza, são negros e que 76% dos que vivem na pobreza são negros.
O contexto de crise por que passa o país atinge em cheio a comunidade negra, os números definem, a miséria que ora grassa por todo o território brasileiro é parte endêmica de um projeto a que o estado brasileiro condenou o povo negro. Após 131 anos da abolição da escravatura o povo negro segue com fome, de moradia, de alimentação digna, de educação, de igualdade e de liberdade substantiva, no plano político, econômico, cultural e religioso. A psique da sociedade brasileira segue racista e excludente, alegam que no Brasil não há fome – de nada. Seus olhos condenam, mas não são capazes de perceber, tampouco admitir seu próprio racismo.
Por Maister* F. da Silva
(*) Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e membro do FRONT – Instituto de Estudos Contemporâneos
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