“Quem é feminista e não é de esquerda, carece de estratégia. Quem é de esquerda e não é feminista, carece de profundidade!”  Rosa Luxemburgo

Sabemos que no Brasil as mulheres são as principais responsáveis pela gestão e cuidado familiar e comunitário, onde, já em 2015 se demarcava que 28,9 milhões de famílias eram chefiadas por mulheres. Neste momento, já se alertava o avanço do capitalismo em precarizar o trabalho de diversos setores invisibilizados com forte presença feminina, a exemplo das trabalhadoras informais, autônomas, pescadoras, camponesas, empregadas domésticas e tantas outras.

Ao lado disto, seguimos acumulando tarefas e desafios na política, onde mesmo sendo muitas e fundamentais enquanto trabalhadoras, seja no campo ou na cidade, o capitalismo e sua lógica patriarcal nos impõe à superexploração, onde exercemos as atividades do trabalho na roça e nos centros urbanos, mas, simultaneamente, seguimos sendo as que mais executam tarefas domésticas. Somado a isto agrava-se a necessidade de enfrentar a fome e a feminização da pobreza, tão demarcados pelo atual desgoverno conservador, neofascista e ultraliberal.

A fome, neste lugar, é a expressão biológica de males sociológicos e que tem uma ligação direta com as desigualdades econômicas e sociais, ou seja, quanto maior a concentração de pobreza mais avança a possibilidade de insegurança alimentar. O retorno da fome se dá num contexto de agravamento das perdas de direitos e no momento, também, que vivemos um avanço da corrida mundial por terras e águas, com o discurso da produção de alimentos para a segurança alimentar pelas grandes corporações do agromineronegócio este (e suas corporações e países de origem), mas, sabe-se, pelo modelo de desenvolvimento adotado no campo, que nem todos os países envolvidos nesta corrida visam a produção de alimentos, mas sim a produção de commoditties para  exportação, agrocombustíveis, comida transgênica e, mais precisamente, visam a entrada do capitalismo pelas suas empresas/países sobre os territórios dos povos do campo, de terreiro, das águas e das florestas para efeito de dominação, intolerância e expropriação.

Olhando para a atual crise e este peso acima visibilizado, a partir exploração, da saturação do sistema de saúde e devido ao fechamento das escolas, as tarefas diárias e de cuidado acirram-se sobre o ombro das mulheres que, historicamente, têm tido a responsabilidade de cuidar individual/isoladamente de pessoas idosas, doentes, crianças, da casa e etc como algo restrito a sua única responsabilidade. Como exercitar a prática solidária e feminista neste momento? O que fazer para compartilhar ao invés de sobrecarregar?

Neste momento, as mulheres representam 70% das pessoas que tem atuado no setor social e na saúde (linha de frente do combate ao Coronavírus), ao mesmo tempo que, são 3 (três) vezes mais responsavéis pelos cuidados não remunerados em casa do que os homens, sendo também, neste momento, a maioria na economia informal que tem sido mais atingida pela crise, agravando suas condições mínimas de sobrevivência, subsistência.

E nós, as camponesas: onde estamos e como enfrentamos a pandemia? Mas, principalmente, como a partir da Semana Camponesa, nos provocamos e reagimos, a partir dos nossos territórios, ao neofascismo, ao sistema capitalista rumo à luta feminista, camponesa e popular? Pelo Censo Agropecuário de 2017, as mulheres coordenam/dirigem várias roças/estabelecimentos/sítios pelo país, a saber: 538 mil na região Nordeste; 136 mil na região Sudeste; 112 mil na região Norte; 104 mil na região Sul e, por fim, 57 mil na região Centro Oeste do país, contribuindo econômica, política e socialmente para o avanço do país, mesmo sendo marginalizada, em muitos casos, por diversos seguimentos estruturais do atual Governo conservador Brasileiro.

Neste lugar se encontram parte das nossas camponesas que cravadas no chão dos territórios onde atuamos, labutam todos os dias com a terra, estimulando com sua prática agroecológica, diversidade produtiva e saberes ancestrais o cuidado político e pedagógico com a natureza, com a saúde, com a educação e com estratégia política do MPA, afirmando assim, o modo de vida do campesinato botando a mão na massa para construção do poder popular, mesmo em tempos tão duros para a classe trabalhadora e para as mulheres como um todo.


Partido disto, as camponesas do MPA, com a tarefa essencial da produção de alimentos e abastecimento popular no campo têm, a partir dos seus diversos territórios, atuando em diversas trincheiras e na solidariedade feminista a partir do Mutirão contra a Fome de um lado e, por outro, incidindo na necessidade de um plano tático e emergencial voltado a promoção da agricultura camponesa neste contexto.

Partindo destes e outros fatores, chegamos à pandemia de Coronavírus e nos vemos expostas enquanto camponesas – que garantem a diversidade dos alimentos produzidos pelo país -, mas com a tarefa fundamental da solidariedade feminista e do necessário exercício do auto cuidado (cuidado nas comunidades, famílias e etc) junto com seus pares e companheiros, como uma das principais ações a partir da medida do isolamento social.

Neste caminho do cuidado, sabemos que no Brasil atual a casa não é um local seguro para boa parcela das mulheres do campo, das águas e das florestas e, neste momento, ao lado de seguir produzindo seus próprios alimentos, de ter acesso a renda mínima para viver e o necessário acesso de políticas de combate a fome/pobreza, precisamos seguir atentas aos riscos de aumento da violência contra as mulheres, pois o isolamento social deve ser medida de cuidado para proteção efetiva e não de agravamento da violência em suas várias dimensões (psicológica/emocional/social/moral/física) dentro de um ambiente que deveria ser familiar, afetivo e solidário.

A solidariedade e o cuidado uma com as outras é uma das formas de proteção da vida e da resistência para superarmos esse tempo tão difícil de pandemia que se alastrando pela crise sanitária da saúde, a não compreensão da economia e a grande crise política colocada. Pela defesa da vida, devemos seguir produzindo o nosso alimento, pois alimento saudável é proteção e cuidado com a saúde, já que a fome aumentou ainda mais. Nosso lugar é na luta do movimento e nas trincheiras de um território livre e produtor de alimentos de base agroecológica. É hora da disputa política e ideológica das camponesas nas redes de comunicação para afirmar que “Quem produz alimento, exige respeito” e uma vida sem violências no campo.


Nesta perspectiva, devemos estar atentas, pois o nosso grande escudo de defesa é o alimento e a nossa prioridade é a defesa da vida, pois é salvando vidas que fortaleceremos o abastecimento popular e a luta feminista e campesina construída no cotidiano dos territórios. O mundo nunca mais será o mesmo e é nosso dever de classe resgatar o saber camponês, no cuidado com as ervas, os bancos de sementes, nossos artesanatos, nossa cultura, nossa música, nossa ancestralidade e tudo que relaciona o nosso saber popular.

Devemos estar atentas às políticas sociais que estamos conseguindo através das lutas em curso, a exemplo da Renda Básica e, em alguns estados, as tarifas de água, luz e gás. Todas nós temos direito, e por ele temos que exigir respeito! Vamos cobrar nos Estados e Municípios os cuidados com a saúde, a educação, as políticas públicas para a produção, combate à violência e comercialização. A Semana Camponesa vem para afirmar, junto às camponesas, que as lutas não pararão e temos muito a caminhar nesta trincheira contra a violência, a opressão, as desigualdades, a crise e a pandemia, porém, neste momento, com todos os cuidados que o momento nos exige.

Na contramão da conjuntura e na resistência coletiva, caminhamos até aqui com vários acúmulos e experiências construídas. Seguimos até aqui enquanto MPA, com um crescimento político, mas, também, sabemos que uma conjuntura difícil nos impõe afirmar um novo caminho complexo para superação, dentro de um processo planejado, rumo à estratégia nacional da organização. Neste processo, devemos ter especial atenção ao papel/presença das mulheres camponesas do MPA Brasil e a dinâmica destas companheiras nos Estados. Neste sentido, a partir dos aprendizados e da mística popular, devemos fortalecer as lutas que se seguem na batalha das ideias, na roça e nas redes de comunicação ao nosso alcance no desafio de nos posicionarmos!

Assim, mulheres, além da necessária disputa política e ideológica nestas dimensões, nos cabe também diálogos junto ao nosso povo das comunidades camponesas, povos originários, quilombos, assentamentos, acampamentos e etc.. Precisamos seguir firmes na labuta do cuidar de si – com todo aprendizado oferecido pelas mulheres camponesas que nos antecederam nos territórios – para que possamos seguir fortalecidas e construindo redes comunitárias de solidariedade social, política e contra a violência às mulheres que nos cerca, pois num momento de crise não admitiremos seguir sendo alvo das violências, nem do capitalismo com seus ataques atuais sobre nossas vidas, nossos alimentos e nossos territórios.

Alimento, vida e território: mulheres camponesas do MPA em resistência!

Viva a Semana Camponesa! MPA BRASIL

POR: Leila Santana – Coordenação Nacional do MPA.
FOTOS: Comunicação MPA.

Fonte: MPA Brasil